O Museu Nacional e a tragédia da Ciência brasileira - PaleoPost Brasil - Paleontologia brasileira

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Senhores dos céus

O conjunto de todos esses fatores nos levam a perceber que o incêndio do Museu não foi uma surpresa. Não era um questão de "se", mas uma questão de "quando" aquilo iria pegar fogo.

O dia 02 de setembro de 2018 será para sempre marcado como um dos dias mais sombrios para a ciência brasileira. Nesta data, um incêndio de grandes proporções consumiu o Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), local que abrigava um acervo com mais de 20 milhões de peças, um patrimônio científico, histórico e cultural.

Com 200 anos, o Museu já foi o Palácio da família Real, onde ocorreu a primeira Assembleia Constituinte do Brasil declarando a independência do nosso país. Ironicamente, na semana em que comemoramos esse fato, as chamas consumiram uma grande parte da nossa história e de todo o conhecimento que construímos ao longo de séculos, incluindo uma parcela considerável da ciência mundial.

Ricardo Moraes / Reuters

A tragédia gerou um dano irreparável para a nossa história e também para a ciência, onde perderam-se materiais importantíssimos de estudo da paleontologia, zoologia, botânica, astronomia, geologia, antropologia, arqueologia e tantas outras áreas de pesquisa, que envolviam o trabalho de inúmeros pesquisadores.

O acervo

Maxakalisaurus topai, o nosso primeiro grande saurópode. Angaturama limai e Oxalaia quilombensis, nossos predadores espinossaurídeos, além de outros que estavam prestes a serem descritos. Uma imensa variedade de Pterossauros, que colocaram o Brasil em lugar de destaque na paleontologia. Milhares de outros animais que ainda estavam sendo estudados, provavelmente espécies inéditas que nunca mais conheceremos. A coleção de vertebrados contava com animais contemporâneos e extintos, com dinossauros, crocodilos, animais da megafauna, peixes, aves e muitos outros. Tínhamos a Luzia, o fóssil humano mais antigo do Brasil, e possivelmente das américas, que trouxe os olhares e admiração de todo o mundo para o nosso país.

Contava, ainda, com uma das maiores coleções de paleobotânica da América-latina, com exemplares de vários períodos geológicos do Brasil e do mundo. Centenas de milhares de invertebrados, constituindo um dos acervos mais importantes da América do Sul e uma coleção de insetos com mais de 5 milhões de exemplares!

Múmias, artefatos de civilizações extintas, vestígios de culturas que não mais existem. Obras literárias de um valor cultural imensurável. Documentos e tratados que construíram o Brasil. Pinturas que retratavam povos e locais que jamais conhecemos. São mais de 20 milhões de itens entre história, cultura, arte e ciência com um valor científico inestimável e que foram completamente perdidos.

A vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, estima que apenas 10% do acervo poderá ser recuperado. À primeira vista, os únicos itens que saíram intactos em meio a tudo isso, foram os meteoritos que estavam expostos logo na entrada do museu, além de itens que encontravam-se em anexos do museu.

Pedaços de rochas e minério vieram do espaço para assistir a tragédia de um povo que ignorou por centenas de anos a sua própria história e cultura. O meteoro de Bendegó, encontrado na Bahia durante o período imperial, será uma marca da lembrança de todo o patrimônio perdido nesse incidente.

O Incêndio do Museu Nacional é um reflexo da nossa cultura

Márcio L. Castro

Todo esse trágico ocorrido nos leva a refletir sobre uma questão muito importante: o Brasil não investe em Ciência. É fato que um país que entende as atividades científicas como um gasto está fadado ao fracasso e nós estamos caminhando nesse sentido. É muito difícil realizar pesquisa no Brasil, em qualquer área. Não há investimento suficiente ou suporte para as pessoas que se dedicam a essa atividade, resumindo-se  a viver dependentes de bolsas (quando existem) que sequer arcam com os custos do estudo.

Estruturalmente, o museu já vinha sofrendo com a falta de verba há muitos anos. O problema da negligência persistiu ao longo dos governos e, como sempre, nenhum governante reconheceu o valor da ciência. Pesquisadores e diretores do Museu viviam em constantes reivindicações junto ao poder público para que conseguissem manter o funcionamento do Museu, o qual chegou a fechar suas portas em alguns momentos. Lamentavelmente, o valor de R$ 514 mil para manutenção do Museu foi diminuído para R$ 340 mil por ano e, em 2018, recebeu um pouco mais de R$ 54 mil até o mês de agosto. Em 2017 foi promovida uma vaquinha online para a reabertura da exposição do Maxakalisaurus topai, então suspensa por conta de uma infestação de cupins.

O conjunto de todos esses fatores nos levam a perceber que o incêndio do Museu não foi uma surpresa. Não era um questão de "se", mas uma questão de "quando" aquilo iria pegar fogo. Detectores de fumaça não estavam funcionando, hidrantes de dentro do museu não deram vazão. O museu não possuía seguro de incêndio e o acervo também não possuía seguro. Funcionários afirmaram que as mudanças estavam acontecendo, estava em processo no BNDES a obtenção de um valor de R$ 20 milhões para as reformas necessárias, entretanto tudo ocorreu tarde demais. Não houve tempo suficiente.

Com isso, temos agora um vasto número de pesquisadores que perderam a sua vida, que estão órfãos. Sim, muitos deles dedicaram toda a sua vida ao estudo de itens que compunham a coleção do museu e que agora transformaram-se em cinzas. Mais uma vez, repercutimos no exterior como um motivo de vergonha. O Brasil tinha apenas uma tarefa, que era cuidar do seu patrimônio, mas, como tudo de valioso que ainda existe por aqui (ou pelo menos existia), conseguimos incendiar, destruir, jogar ao descaso e, só agora, em meio aos escombros, choramos pela sua perda. Foi assim no Museu de Artes, foi assim no instituto Butantan, e está sendo assim no Museu Nacional. Será que algum dia viveremos em um Brasil que valorize a Ciência?

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